segunda-feira, 31 de maio de 2010

Eu gosto da tal da Semiótica...



A semiótica é um saber muito antigo, que estuda os modos como o homem significa o que o rodeia. Inicialmente, o termo foi encontrado da medicina, usado pelo médico Galeno de Pérgamo (139-199) para referir-se à diagnóstica (semiotikón méros). Séculos mais tarde, a semiótica propriamente dita teve seu início com filósofos como John Locke (1632-1704) e com Johann Heinrich Lambert (1728-1777), os quais relacionaram o nome Semiotiké ou Semiotik a uma doutrina de signos. Modernamente, o século XX foi inaugurado com pensadores como Edmund Husserl (1859-1938), que já postulava sobre uma teoria fenomenológica dos signos e significados, e por Charles Sanders Peirce (1839-1914), que é visto como uma das maiores figuras deste período, o fundador da teoria morderna dos signos, sobre o qual este trabalho se ocupará nas próximas páginas. Para Peirce, Semiótica é a doutrina formal dos signos. É a ciência dos signos e do processo significativo (semiose) na natureza e na cultura (Nöth, 1995:17), tendo como objeto de investigação todas as linguagens possíveis – artes visuais, músicas, fotografia, cinema, culinária, vestuário, gestos, religião, ciência, etc. Enfim, a Semiótica (do grego Semeiotiké ou “a arte dos sinais”) é a ciência de toda e qualquer linguagem, ocupando-se do estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da idéia, ou seja, de qualqer sistema sígnico, “de qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significado e sentido” (Santaella, 2006:13). A minha paixão pela semiótica americana aconteceu porque, além de dar conta de trabalhar com os meios surgidos com a globalização, sobretudo após a expansão das compras de computadores pessoais e com a popularização da mídias digitais, ela intrumentaliza o professor com uma base teórica consistente (na medida em que é pautada na Lógica) e abrangente (dado que é plenamente aplicável em qualquer signo, verbal, não-verbal ou sincrético) , tornando possível uma análise sígnica tridimensional. Por exemplo, a iconicidade é a base da contrução dos signos e um texto é um signo. Palavras também podem ser lidas como signos: quando usadas na direção de uma transparência visual, são signos orientadores, levando à univocidade do texto. Ao contrário, quando são signos desorientadores, levam ao equívoco ou à ambigüidade, fazendo com que o leitor chegue a uma imagem obscura, o que prejudica a interpretação textual (apud Simões e Dutra, 2002, in Simões, 2007). Interpretar é, em última análise, dialogar com os signos, dando a eles representações diversas. É estar-se integrado às coisas do mundo, o que compõe a bagagem cultural de cada um. Mas é também aprender, no convívio didático-pedagógico, com educadores que fornecem técnicas, subsídios para que melhor se possa decodificar, com olhar crítico, um texto. Com isso, percebe-se que cada leitor oferece mais à leitura do que aquilo que realmente aprendeu: ele coloca no texto suas vivências e experiências pessoais, o que nos acena para o fato de que a formação de leitores acaba se refletindo no aspecto além das letras. Esse dado mais uma vez reforça a importância da semiótica peirceana para o trabalho com o precesso ensino-aprendizagem: sua proposta triádica de classificação sígnica e seu modo de perceber a captação dos fenômenos remete à possibilidade de antigir-se uma análise global, levando a palavra (ícone de segunda) a ser vista, ao mesmo tempo, sob os focos semântico, progmático, estilístico, dentre outros (apud Rei, 2007; idem, ibidem).

O que você acabou de ler faz parte do meu projeto de Doutorado (por isso os termos técnicos e as refêrências bibliográficas - não copie, ok???). Na verdade, o que eu queria dar conta aqui é do meu gosto pela pesquisa, e as possibilidades maravilhosas que ela me abriu em sala de aula, na minha prática pedagógica.

Em anexo, postei um vídeo do youtube. Espero que você abra e se divirta com ele. De uma forma leve e humorada, uma garotada da Puc deu show em representar as semioses. É ou não é maravilhoso resgatar um objeto (que não está aqui) através de palavras (ícones) que o resgatem por uma semelhança sonora?

domingo, 30 de maio de 2010

Clarissa

Estou lendo Clarissa, de Érico Veríssimo. O livro trata da história de uma menina de 13 anos cujo maior sonho é andar de salto alto. A narrativa se passa na cidade de Porto Alegre, no início do século XX. Foi o segundo romance publicado pelo autor, em 1933. Segundo Érico, o enredo foi inspirado numa visão que ele teve da janela de seu apartamento: numa tarde de sábado ele vira uma normalista saltitante pela praça florida que ficava na frente do prédio onde morava. Foi o que bastou para ele escrever sobre os pensamentos e sonhos de uma menina prestes a descobrir que era mulher.
Clarissa tem para mim um gosto de nostalgia. Aliás, seu próprio nome já é uma pista de sua luz própria (clara, clareza, claridade, clarissa...). Ela é meio Poliana-moça: pensa bem de todo mundo e encara o mundo a sua volta com felicidade. Não gosta de matemática, mas é esforçada e faz todas as lições de casa. Católica, vai à missa aos domingos. É bem verdade que, no decorrer das páginas, a menina descobre o amargo sabor das mentiras, das desigualdades sociais e da morte de seu vizinho, mas, no geral, é uma menina alegre e disposta a encarar o mundo. Seu corpo se transforma no decorrer das páginas: ela vira uma moça roliça, de pernas bem feitas e com os seios que já se sobressaem nos vestidos.
Se fosse viva, Clarissa teria hoje cerca de 90 anos. Provavelmente, teria passado pela Revolução Sexual já com filhos crescidos e, portanto, não seriam seus os sultiens queimados em praças públicas. É possível que não conhecesse orgasmos e que tivesse feito bodas de ouro com um marido indiferente a seus caprichos femininos. Trabalhar fora? Jamais com as crianças pequenas e com os afazeres de casa, todos sob sua mais completa e total responsabilidade.
É provável que Clarissa tivesse uma bisneta de 13 anos em 2010, com o nome homônimo ao de sua bisavó. Não seria tão estudiosa, porque dividiria seu tempo livre com o msn, orkut, facebook, twitter e fotolog (isso sem contar com as aulas de inglês e com a academia). Teria muitas amigas, a quem encontraria nos shoppings no fim de semana, ocasião em que estaria de salto alto, ainda que meio desengonçada, e maquiagem. Seu maior sonho talvez fosse uma calça Planet Girls, ou um IPod. Desejaria um notebook só seu. Ainda não teria namorado, mas não seria mais BV, porque já teria ficado com uns carinhas do colégio. Com sorte, teria uma festa de 15 anos e uma viagem a Disney. Ao contrário da parenta distante, não gostaria de frutas. Doces, só no fim de semana - para não comprometer o manequim 36. E coca zero, sempre!!!
Não sei de qual Clarissa eu gostaria mais, mas eu acho que eu escolheria a do livro. A personagem, essa eu sei que vai ter sempre a mesma leveza da idade. Que o mundo de fora não vai lhe estragar o dia, o humor, os sonhos. Essa eu vou sempre achar no romance e, como num retrato antigo, poderá estar amarelada, mas com o mesmo sorriso.

E, com ela, eu continuarei sonhando (polianamente) com uma sociedade em que muitas clarissas nascerão todos os dias.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Gaivotas de Papel

Não lhe parece tão distante a lembrança de seu primeiro livro. O ano era 1977 e ele lhe fora dado como um presente por seus primeiros passos na leitura. A história (estória?) remota tratava de uma família de ursos que era visitada por uma menina de cabelos anelados, com fios tão dourados quanto os seus. O presente foi comemorado e datado com o mês do ano, grafado com uma caneta esferográfica de cor azul que há muito borrara o papel. Mas as manchas não foram suficientes para apagar a lembrança a qual hoje lhe vêem à mente. Sua sensação era a de uma expectadora invisível do passado que, como em terceira pessoa, voltasse à cena, assistindo de fora à sua premiação.
Livros lhe foram, desde então, pontuando momentos de glória – e terror. Não fora ainda na década de 80 que recebera sua primeira surra, de todas a mais violenta e humilhante. A surra que levara com um livro e por ele. Já seria difícil acreditar que seu maior algoz era o ventre que lhe pusera no mundo. Mais difícil seria supor que fosse alvejada por seu objeto de paixão. A mãe desfolhara a primeira cartilha em seu rosto e, a cada página caída, uma lágrima e um vergão que seria apenas suturado com a costura dos abecês posteriormente lhe ensinados. Logo ela que nunca havia imaginado que gaivotas de papel voando pela janela do prédio residencial tivessem um gosto tão amargo...
Mas entre as lembranças que escolheu para fazer de sua vida um conto-de-fadas, trouxe consigo, mesmo após décadas, a coleção de folhas revestidas e papel couché dos clássicos da literatura infantil. Não que já não conhecesse de longa data os personagens e as estórias, as tramas e seus desfechos: eles já eram velhos conhecidos que ora lhe passeavam em sonhos, ora lhe apareciam nos desenhos coloridos a trinta e seis lápis de cor. Só que, em sua coleção, tudo era perfeito e diferente. Aquela fora a primeira vez que vira personagens animados em livros. O papel que retratara o movimento, importado de algum país estrangeiro, mostrava à menina de subúrbio que nem tudo estava perdido. Sim, havia magia nos livros. Sim, gaivotas de papel poderiam ser doces. Sim, sua história também poderia ser cerzida a flores e pássaros, príncipes e princesas, todos felizes para sempre.
Toda essa profusão de sentimentos não durou mais que cinco segundos em sua lembrança. A visita à antiga residência no apartamento em que gaivotas não eram assim tão amargas trouxe-lhe à baila toda a infância. Seus livros foram redescobertos e com eles toda a sua história, as suas estórias, a dela e a deles... Ou seriam as nossas?
Foi com nostalgia, raiva e emoção, muita emoção, que desensacou, do guarda-roupa de solteira, um monte de livros de capa-dura há anos recolhido no armário, todos dentro de um saco que poderia ter embalado o lixo e não tantas recordações. Reviu, então, após milhares de dias e tantas outras cicatrizes, aqueles personagens animados que lhe figuraram a infância. Cheirou-os, apalpou-os, sorveu-os com a mesma curiosidade de há trinta anos. Uma lágrima poderia ter-lhe saltado dos olhos, não fosse a voz doce e meiga de criança curiosa, eufórica com a sua também descoberta:
- São para mim, mãe?
- São, meu filho. E eles esperaram por você uma vida toda...

(Esse texto é de minha autoria, escrito para um concurso de contos. Não sei em que data foi escrito, mas o ano foi 2005)

A equilibradora de pratos

O nome eu peguei emprestado da minha orientadora do mestrado, a Maria do Carmo (PUC-Rio). Ela dizia, entre muitas coisas, que a mulher contemporânea é uma equilibradora de pratos. A metáfora me soou agradável aos ouvidos: parece que eu vi uma personagem de circo louca para não deixar seus pratinhos no chão, para não deixar sua plateia decepcionada no fim do espetáculo, para parecer bonita e sorridente com o collant prateado, para receber as palmas e sorrisos no final do show...
Quase dez anos depois (meu Deus, quanto tempo!!!!), eu sou a Equilibradora de Pratos. Tenho marido e dois filhos, um de 7 anos e um de 5 meses. Minha mãe, uma senhora frágil de 70 anos, mora comigo. Sou professora, trabalho em muitas escolas, cursos e numa faculdade. Como se já não fosse o bastante, resolvi que voltaria a estudar e estou no meio do meu curso de Doutorado, em uma universidade que fica a 2 horas de viagem da minha casa. Aos sábados e domingos, tento administrar a casa e fazer mercado. Todo dia à noite estudo e preparo aula. Às terças, vou ao salão para fazer unha e cabelo. Às sextas, faço RPG e acupuntura, na tentativa de salvar minha coluna de uma crise. Diariamente, meu filho mais velho me cobra que faça com ele suas tarefas de casa. Meu bebê ainda mama no peito. Meu marido quer o colo cheiroso e disponível da mulher amada após um dia cansativo de trabalho... Quando dá, tento ser cronista, blogueira e poetisa.
Ao contrário do que muitos podem pensar, não reclamo da minha rotina. Reclamo da falta de grana, do filho que não dá valor ao que tem, do marido que não entende quando estou cansada demais para uma noite tórrida de amor, do governo que come parte do meu rendimento com o Imposto de Renda. No mais, reclamo também dos alunos, com a-maior-vida-boa, mas que não dão valor ao que têm (em sua maioria)... Em quase 100% das vezes sou feliz e me divirto com o que faço. Às vezes tenho vontade de chutar a sala de aula e fazer um concurso público para viver com as traças numa sala esquecida num almoxarifado qualquer. Passados 15 minutos a vontade passa e volto a amar tudo o que eu faço. Nas férias, morro de dó de ver as escolas vazias. Quando os meninos se formam, tenho orgulho em dizer que foram meus alunos. Alguns deles se tornaram amigos e até trabalham comigo.
Termino a minha primeira postagem com um pouco de nostalgia da faculdade e dos tempos de mestrado. O nome "Equilibradora de Pratos" mexeu um pouco comigo, meio que num antagonismo do do-que-eu-poderia-ter-sido em confronto com aquilo-que-realmente-sou. Minhas escolhas me definiram e me tornaram a Mulher (com M maiúsculo mesmo!!!!) que hoje enfrenta as crises de seu tempo, tentando da melhor maneira possível ser feliz. Há dez anos, quando eu ainda estava prestes a defender minha dissertação, eu tinha a juventude e seus prazeres, queria casar na igreja e tudo mais; naquela época a vida não era tão cheia de compromissos e tinha um viço e um gris que a gente só tem aos 20... Com as rugas, com o primeiro casamento desfeito, com a viagem à Europa que não rolou e com as estrias deixadas pela gravidez, vieram também os filhos e seus sorrisos, a certeza de um futuro mais tranquilo, o Mc Donald´s do fim de semana, e, no pacote, veio também a descoberta de que o silêncio pode ser confortável, que domingo é dia de juntar a família na cama de casal, e que na maior parte das vezes ser feliz é querer uma vida morna, menos Havaí e mais Cancun. Enfim, o manequim 44 não é a pior coisa do mundo, nem o Fantástico no fim de um domingo de chuva... Mas essas coisas a gente só descobre com o tempo...
A Adélia Prado acertou em cheio quando disse "Mulher é desdobrável. Eu sou.". Quanto a mim, ando numa fase mais humilde. Meu lema agora é "Mulher é desdobrável. Eu tento..."