domingo, 30 de maio de 2010

Clarissa

Estou lendo Clarissa, de Érico Veríssimo. O livro trata da história de uma menina de 13 anos cujo maior sonho é andar de salto alto. A narrativa se passa na cidade de Porto Alegre, no início do século XX. Foi o segundo romance publicado pelo autor, em 1933. Segundo Érico, o enredo foi inspirado numa visão que ele teve da janela de seu apartamento: numa tarde de sábado ele vira uma normalista saltitante pela praça florida que ficava na frente do prédio onde morava. Foi o que bastou para ele escrever sobre os pensamentos e sonhos de uma menina prestes a descobrir que era mulher.
Clarissa tem para mim um gosto de nostalgia. Aliás, seu próprio nome já é uma pista de sua luz própria (clara, clareza, claridade, clarissa...). Ela é meio Poliana-moça: pensa bem de todo mundo e encara o mundo a sua volta com felicidade. Não gosta de matemática, mas é esforçada e faz todas as lições de casa. Católica, vai à missa aos domingos. É bem verdade que, no decorrer das páginas, a menina descobre o amargo sabor das mentiras, das desigualdades sociais e da morte de seu vizinho, mas, no geral, é uma menina alegre e disposta a encarar o mundo. Seu corpo se transforma no decorrer das páginas: ela vira uma moça roliça, de pernas bem feitas e com os seios que já se sobressaem nos vestidos.
Se fosse viva, Clarissa teria hoje cerca de 90 anos. Provavelmente, teria passado pela Revolução Sexual já com filhos crescidos e, portanto, não seriam seus os sultiens queimados em praças públicas. É possível que não conhecesse orgasmos e que tivesse feito bodas de ouro com um marido indiferente a seus caprichos femininos. Trabalhar fora? Jamais com as crianças pequenas e com os afazeres de casa, todos sob sua mais completa e total responsabilidade.
É provável que Clarissa tivesse uma bisneta de 13 anos em 2010, com o nome homônimo ao de sua bisavó. Não seria tão estudiosa, porque dividiria seu tempo livre com o msn, orkut, facebook, twitter e fotolog (isso sem contar com as aulas de inglês e com a academia). Teria muitas amigas, a quem encontraria nos shoppings no fim de semana, ocasião em que estaria de salto alto, ainda que meio desengonçada, e maquiagem. Seu maior sonho talvez fosse uma calça Planet Girls, ou um IPod. Desejaria um notebook só seu. Ainda não teria namorado, mas não seria mais BV, porque já teria ficado com uns carinhas do colégio. Com sorte, teria uma festa de 15 anos e uma viagem a Disney. Ao contrário da parenta distante, não gostaria de frutas. Doces, só no fim de semana - para não comprometer o manequim 36. E coca zero, sempre!!!
Não sei de qual Clarissa eu gostaria mais, mas eu acho que eu escolheria a do livro. A personagem, essa eu sei que vai ter sempre a mesma leveza da idade. Que o mundo de fora não vai lhe estragar o dia, o humor, os sonhos. Essa eu vou sempre achar no romance e, como num retrato antigo, poderá estar amarelada, mas com o mesmo sorriso.

E, com ela, eu continuarei sonhando (polianamente) com uma sociedade em que muitas clarissas nascerão todos os dias.

Um comentário:

  1. Aninha, Clarissa, Pollyana e eu - meninas que sonham e sonharão sempre, pra encanto dos que vivem e convivem conosco.

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