quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Adeus a Rafinha


Rafinha boa,
Rafinha menina-bonita-do-laço-de-fita,
Rafinha sempre de bom humor,
com aquele sorrisão largo nos lábios...
Rafinha, linda, no auge de sua mocidade...

Imagino Rafinha chegando no céu:
- Licença, São Pedro...
- Entra, Rafinha, a gente estava com saudade...


Homenagem singela à minha querida ex-aluna Rafaela, que nos deixou na última semana. Foi voar num céu azul, repleto de passarinhos...

sábado, 15 de setembro de 2012

De Giovana para Gabriel

Para entender melhor a postagem de hoje, favor ler o texto de Zuenir Ventura que se encontra abaixo.

Volta Redonda, 14 de setembro de 2012

Prezado Gabriel,


Você não me conhece, mas meu nome é Giovana (eu também me chamaria Gabriel se fosse menino!!!), moro em Volta Redonda e tenho cinco meses de idade. Não, não sou prodígio; é a minha mãe quem escreve esta carta para você. Vou te explicar o motivo: aqui em casa é hábito a minha mãe ler o jornal alto para o meu pai. Ela faz isso toda vez que encontra alguma coisa que ela gosta. Como eu e meu irmão Artur somos pequenos ainda, ouvimos as coisas e vamos pensando no futuro do Brasil, país governado pela sua vó Dilma. E vó é vó, convenhamos. Por isso escrevo: pra você falar umas coisas para a sua, porque ela deve te ouvir.


Sabe, o meu irmão Johan nasceu no ano em que o seu tio (emprestado) Lula ganhou as eleições, em 2002. Na época, a minha mãe escreveu um bilhete em um caderno para que o meu irmão lesse um dia, quando crescesse. Nele estava escrito: "Filho, que você tenha um futuro muito diferente do meu, pois hoje, pela primeira vez no país, a esperança venceu o medo". Lindo, né? Mas parece que não foi bem assim que ela sonhou. Hoje, dez anos depois, a minha mãe, que é professora, está ganhando mal, sendo super desrespeitada por um monte de patrão e, ainda, está pagando uma fortuna de imposto de renda. É verdade que ela paga muito porque trabalha muito, mas será que você não pode pedir a sua avó para olhar mais para os professores do país? Será que eles não podem ganhar uns descontinhos na compra dos livros e nas viagens que eles precisam fazer para estudar mais? Fala aí com a sua avó... Os professores amigos da minha mãe estão quase desistindo da profissão e eles são muito legais... Se a gente não tiver professor bacana, como vai ser a nossa formação na escola?


E tem mais. Aqui em casa, Gabriel, a gente é honesto. Nossas contas estão pagas, a gente tem roupa e comida, graças a Deus, mas ainda falta bastante para os meus pais conseguirem comprar uma casa... Minha mãe e meu pai são trabalhadores e eles estão muito tristes, pois tem um monte de gente falando à beça na TV sobre umas coisas de eleição, mas eles não estão vendo em quem votar. Parece que tem muita gente envolvida numa tal de corrupção, que é um negócio de roubar dinheiro que seria do povo, para que todo mundo tivesse educação, escola e saúde de qualidade. Eu não quero fazer fofoca, mas algumas dessas pessoas que estão roubando são amigas da sua avó... Pede pra ela abrir o olho e fala para a sua avó que é feio ficar trocando voto, hein? A gente mora numa democracia e voto é coisa muito importante para o direito do cidadão...


É isso, Gabriel. Foi muito bom poder falar com você. Quem sabe a gente não se encontra aqui um dia, em Volta Redonda, numa época de Copa ou Olimpíada? Fiquei sabendo que muita coisa vai acontecer por perto da minha casa. A gente pode até marcar de tomar um Nescau, que tal?

Um beijo pra você e outro pra sua avó.

Giovana

P.S.: Antes que eu me esqueça, acho muito chique morar num país que tem uma mulher presidenta. Quem sabe, um dia, eu não tento também?

De Alice para Gabriel

Prezado Gabriel: Como não tenho o seu e-mail, resolvi usar o lugar onde meu avô escreve (ele deixa eu usar tudo que é dele) pra fazer um pedido à sua Vó Dilma, que eu soube na creche que manda no país (vou falando e ele vai escrevendo). Me contaram que ela manda mais do que meus três avôs, minhas três avós, minha bisavó e meus pais juntos. Me disseram também que ela é brava, durona. Mas deve ser lá pros ministros dela, não pra você, não é mesmo? Avô e avó foram feitos pra agradar a gente, pra fazer nossas vontades, tudo que a gente quer. O que seria de nós se não fossem nossos avós, hein? Mas também o que seria deles sem nós? Pai e mãe são muito chatos: querem que a gente coma tudo, que durma na hora certa, que não chupe bala e nem beba refrigerante, tudo aquilo que a gente pode fazer na casa de nossos avós, onde nada é proibido.

Como moro pertinho de minha Vó Mary e meu Vô Zu, eles vão me buscar na creche quase todo dia, e a gente conversa muito. Tudo eu quero saber o porquê. Por que eleição? Por que candidatos? Eles me explicaram direitinho e eu também queria votar. Mas eles disseram que só quando eu for bem mais grande. Mas na minha turma a gente também brinca de escolher. Eu tenho alguns candidatos a me namorar, mas eu escolhi um só, e a professora não se meteu. Já sua avó está se metendo pra ajudar quem é do partido dela. Repete pra ela o que às vezes ouço de mamãe: "Não faz isso que é feio." É o que eu queria que você pedisse a ela.

Quando você vier ao Rio, me procura. Eu já disse que tenho namorado, não podemos "ficar". Também porque sou mais velha, tenho quase três anos e você, dois, é um pirralho. Mas podemos ser bons amigos e eu posso te levar na praia e no teatro. Um beijo na bochecha, não na boca, da Alice. Meu avô manda recomendações à sua avó.


(Texto de Zuenir Ventura, publicado em O Globo de 14 de setembro de 2012)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

CURRICULUM VITAE

Palavra. Vocábulo. Sei lá. A vida de Rosa era assim: muita palavra, muita explicação; tautologia. Na verdade, ela era obcecada pela palavra ideal, o momento certo de dizer a coisa certa - ou correta, melhor no contexto, para aprimorar a coesão textual. Algo assim, para entendermos sua excessiva preocupação metalingüística.
Esta era Rosa. Dois filhos, um menino e uma menina, um poodle e um marido que lhe era indiferente (com o pronome propositadamente ambíguo). Rosa era professora de Português, com matrícula no Estado e no Município, com algumas dezenas de tempos em escolas particulares de sua cidade e pouco tempo, muito pouco tempo para si e para os seus. Nas lacunas, o que sobrava do restrito tempo em casa (algo entre meia-noite e quatro da manhã), fumava (escondido) e se dedicava à palavra: estudos teóricos do léxico português.
Era feliz. Ou pensava ser, até receber aquela proposta, que na hora a fez encher-se de orgulho e logo depois de terror. A amiga professora de Matemática lhe avisara do concurso literário que haveria na região, uma excelente oportunidade de mostrar a todos seu talento e sua acurada percepção lingüística. A princípio, envaideceu-se com o convite, com o reconhecimento profissional...depois, desesperou-se, de tal forma que a colega atenta quase percebeu seu ligeiro rubor de face.
O que escrever? Qual seria o tema de seu texto? O que descrever, narrar ou dissertar? De repente, Rosa percebeu o que deveria ser-lhe óbvio desde sempre: a dolorosa percepção de que não havia assunto para escrever! Nesse fragmento de segundo, sua vida lhe passara à frente e vira centenas de cenas desfocadas em preto e branco: sua infância fora mesquinha e solitária, escondida atrás de brinquedos que nunca usara por medo de estragarem-se; sua escolha universitária foi feita por seus pais, porque moças de família só poderiam, quando muito, ser professoras; seu marido era, por conveniência, o irmão do noivo da prima, um bem sucedido e inculto comerciante local, a quem nunca amou; seus filhos nasceram sem lhe causarem dor, ou qualquer outro sentimento que os unisse além dos cordões umbilicais; seus pais eram velhos e sadios, sem nenhuma morte próxima que viesse lhe causar trauma, pena, sofrimento ou aprendizagem, ou qualquer coisa da qual ela pudesse tirar uma lição de vida realmente interessante.
Olhou o papel em branco e sentiu pena de sua vida enfadonha e correta. Nenhum amor, nenhuma aventura, nenhum erro, nada havia em sua frente, senão um cotidiano correto e metódico. Durante horas olhou o caderno pautado, até que as linhas azuis borraram-lhe os olhos e misturaram-se entre si. Dos livros que leu, das pessoas que conheceu, não conseguira extrair nada que pudesse lhe servir como tema. Pensou em escritores famosos e teve raiva, inveja de todos eles. Pensou em obras lidas, relidas, contadas e reescritas, nada valeu. Uma madrugada inteira sem que uma palavra lhe brotasse na mente.
Falta de inspiração, só podia ser falta de inspiração. Nada que um dia de trabalho não resolvesse. Com as crianças, certamente adviria uma idéia brilhante ou uma fagulha de reflexão a desdobrar. Só que, a cada minuto do dia, sua angústia só aumentava, ao ver palavras multiplicando-se de seus lábios, que de nada valiam ser escritas. Para quê? O concurso literário pressupunha, como o próprio nome dizia, literatura, e naquele momento o que a incomodava vorazmente era perceber que sua vida virara...gramática! Um conjunto de regras e exceções voltadas para uma modalidade culta, algo que aqueles alunos famintos e carentes não atingiam, o que os fazia a cada dia menores, devido àquele abismo lingüístico que os separava e que – ela tinha que confessar – a enchia de prazer e satisfação, até aquele momento.
Faltou-lhe o chão aos pés. De que adiantavam os adjuntos e os complementos nominais, se não lhe davam um assunto, uma literatura? (por mais que tivesse tentado fazer uma poesia com eles!). De que adiantavam os anos a fio em sala de aula, ensinando todos os filhos da cidade a escrever, se ela própria não sabia redigir um texto realmente seu, com suas idéias? Onde estava sua imaginação, se só no que pensava era corrigir e corrigir o que os outros diziam ou escreviam?
A dor que sentiu naquele momento talvez tenha sido a pior de sua vida inteira. Um misto de angústia, de piedade, de frustração por aquela vida pequena, desinteressante, escondida atrás de livros alheios em uma cidade do interior. Foi difícil perceber que as palavras, as quais ela sempre buscou e perseguiu, nunca lhe vinham na hora adequada porque ela simplesmente... não as sentia, não as vivia! Sua relação com elas era mecânica, artificial, passível de correções de certo e errado. Não eram as palavras quentes que enebriam poetas ou que arrebatavam bocas úmidas de namorados adolescentes. Não eram os gritos das crianças que brincam nas praças, ou a comemoração enérgica dos torcedores de futebol. Não eram as confissões arrependidas, ou o grito de prazer e dor de amantes apaixonados e lancinantes. Suas palavras não tinham vida, porque ela não tinha vida. A falta de vivacidade de suas palavras representava seu fracasso, o seu modo de viver, o grande cinza que era seu cotidiano.
Teve vontade de correr para um lugar que não existe, longe de tudo e de todos para viver uma vida sua, sem medo da opinião dos pais, filhos, marido, vizinhos, amigos, parentes, colegas, alunos etc. A vontade passou e ela continuou sua rotina exatamente do jeito que era. O concurso literário era uma bobagem de jovens idealistas e verborrágicos. Coisa boba e desnecessária. Voltemos às aulas de Gramática.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Voltando à ativa...

Casa, três filhos, quatro empregos, marido, doutorado, mãe... Tudo isso continua fazendo parte do meu universo, graças a Deus. Enquanto o filho mais velho começa a conhecer os mistérios do corpo masculino, a filha bebê chora de noite, reivindica o peito e coça o dentinho que não nasceu ainda. No meio de tudo isso, o meu bebê grande joga bola na sala de casa, vê DVD do Patati Patatá, leva cadeira para todo lugar para subir nas coisas. Agora, por exemplo, o Artur está chorando porque o Johan está maltratando o boneco do palhaço querido...
 Nos últimos meses, muito aconteceu. A Giovana nasceu na mesma semana em que eu qualifiquei minha tese de doutoramento. Durante os quatro meses de licença maternidade que se seguiram, a Gigi mais ficou acordada do que dormiu, e eu idem. Muita cólica, muito choro, muito susto... tudo isso foi cansativo e está sendo ainda, mas nem preciso dizer o quanto valeu a pena: a garota é linda de doer...
 Filhos, como é bacana ter três em casa. Eles são minha vida, mesmo sendo completamente diferentes um do outro. O Johan é o meu pai de novo: grande, forte, bonito, falante. Péssimo ouvinte. Mas o que é importante: um coração de ouro, daqueles que a gente quase nem vê mais. Na gravidez da Giovana, ele ficou todas as horas comigo, mesmo quando eu passava mal. Era sempre ele que me segurava as mãos e que me dava beijinho na testa na hora de deitar. Enfim, ele é de uma sensibilidade, de uma intuição... coisa de espírito velho, que já viveu muito na vida (ou em outras vidas). Agora coloquei outro apelido nele: Johan, o menino semiótico!
 Já o Artur, que engraçado, é o oposto do que o irmão foi com 2 anos de idade. O que ele tem de tímido, tem de levado e safo. Ele cai e levanta, pula, escala, vira cambalhota, toma banho e faz cocô sem chamar ninguém para ajudar. Agora, ele descobriu que a esponja (de lavar louça) parece o Bob Esponja. Se deixar, então, ele quer lavar tudo o que encontra, só para brincar com o personagem amarelo. Tudo seria perfeito, se ele não quisesse fazer isso às duas da manhã, no horário em que ele está no auge (detalhe: o menino tem insônia, para desespero dos familiares).
 Para terminar, Giovana!!! Que bela!!! Que olhos!!! Olhos de Elizabeth Taylor, cor de violeta... Para quem não sabe, a gravidez da Gigi foi horrível: teve depressão, enjoo, enxaqueca, pressão alta e até separação, e eu me senti muito triste, cansada, fraca e carente... Mas tudo valeu a pena pela criaturinha que me ama tanto, que me acha com o olhar em qualquer lugar onde eu esteja. Que me espera chegar do trabalho só para dormir agarradinha no meu peito...
 Enfim, é muito amor. As minhas roupas estão velhas, tem um tempão que eu não consigo fazer as unhas, a cama enche de filho no meio da noite. Grana no banco, viagem pra a Europa, compras em Nova Iorque? Nunca mais... ... Mas, em compensação, o coração vive cheio de amor.

Mosaico

Estou tomando coragem para voltar, depois de meses dentro de casa. Quanta coisa nova eu aprendi com a Giovana... Quanto amor eu ainda tinha guardado no meu coração... Estou voltando, aos pouquinhos, ao meu papel social/profissional. A mãe continua aqui, agora se dividindo com a pesquisadora e a professora que sou. Ana-mosaico, cheia de caquinhos de vidrinhos brilhantes e coloridos... Perdida dentro de mim, eterno labirinto, em busca do eu que de mim se perdera. Ou não.